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domingo, 15 de julho de 2007

Enquete

Em setembro de 1995, durante meu segundo semestre na Unisinos, a professora de Língua Portuguesa I pediu-nos para escrever um pequeno conto. As coordenadas eram: o conto deveria ser sobrenatural, e não deveríamos desfazer sua "sobrenaturalidade" ao final. Como todo conto que se preze, deveria conter um elemento surpresa. Agora divido-o com vocês e aproveito para fazer uma pequena pesquisa sobre algo que sempre me intrigou: será que as pessoas percebem como elemento surpresa o mesmo que eu pretendi que o fosse?

Assim, para aqueles que quiserem participar e me ajudar a descobrir a resposta, aqui fica a pergunta: qual pensam vocês ser o elemento surpresa deste conto?

O retorno

Na pequena sala de espera, uma ruivinha muito jovem, sentada à minha frente, escuta-me com atenção. Tudo para ela parece ser novo, e os belos olhos verdes brilham intensamente, num misto de espanto, temor e curiosidade.

— Fale-me sobre o acidente — pediu, baixando levemente a cabeça, como que para vencer a timidez e disfarçar a excitação.

— Foi na última sexta-feira. Meu marido e eu havíamos saído de Porto Alegre em torno das 9 da noite. O calor era sufocante, e o céu estava carregado de nuvens negras. Era visível que logo iria desabar uma tempestade. Mas Paulo tinha pressa de chegar a Pelotas, pois o irmão dele estava muito mal, e ele queria encontrá-lo ainda com vida. Tínhamos acabado de passar por Camaquã, quando a tempestade desabou sobre nós. O limpador do pára-brisa não conseguia dar conta de tanta água, e ainda assim Paulo dirigia em alta velocidade. Implorei que parasse o carro no acostamento, até a chuva amenizar, mas, como sempre, ele não me deu ouvidos e pisou ainda mais forte no acelerador. Compreendi que era melhor ficar calada. Meus músculos chegavam a doer, de tão retesados, e meus olhos estavam escancarados pelo medo e pela vontade de enxergar. Foi quando um relâmpago iluminou rapidamente a estrada, e aquela sombra enorme surgiu na nossa frente… acho que era um caminhão. Quando…

Nesse momento, a porta se abriu, e o homem que se retirava da sala permaneceu ali por um instante, trocando as últimas palavras com a pessoa que estava lá dentro.

A ruivinha olhou-me entre sorridente e apreensiva.

— É a sua vez. Boa sorte! Dizem que o supervisor daqui é bastante rigoroso…

— O próximo, por favor!

De dentro da sala, aquela voz incisiva, mas melodiosa, provocou-me um leve estremecimento. Entrei rapidamente, fechando a porta atrás de mim sem desviar os olhos daquele homem alto, de feições suaves e ao mesmo tempo viris, que de pé, atrás da mesa, sorria-me com o olhar. Estendeu-me a mão, sem sair do lugar, e seus lábios se abriram num sorriso encantador, fazendo meu coração pinotear dentro do peito.

— Luna!

Apertei a mão que ele me estendia, sentindo-me meio insegura e boba, e sentei-me com ar de colegial que vai ser argüida.

— Então, Luna, como se sente?

— Agora me sinto bem, obrigada. E é tão bom ser Luna novamente!

Ele me lançou um olhar cheio de seriedade, e por um momento meu peito contraiu-se, na expectativa do que viria a seguir. “Por que não fala logo?”, pensei, sem desviar os olhos. Mas ele, surpreendentemente, jogou o corpo para trás, na cadeira, e seu rosto distendeu-se num sorriso matreiro.

— Parabéns, Luna, você se saiu melhor do que esperávamos!

— Verdade?

— Sim — ele agora assumia novamente uma expressão séria — você conseguiu cumprir sua missão com êxito total. Mas, diga-me, como se sentiu logo após o choque com o caminhão? Como conseguiu reunir coragem para socorrer aquele homem que lhe maltratara durante tantos anos?

— Não sei, Sólon. Talvez eu inconscientemente soubesse que era preciso agir daquela forma. Confesso que não foi fácil. Quando percebi que havia apenas um ferimento superficial em minha perna, e que Paulo estava gravemente ferido, precisei resistir à tentação de deixá-lo ali, entregue à sua sorte, e correr em busca de minha liberdade.

— E resistiu muito bem, ainda mais se levarmos em consideração que nenhum carro parou para ajudá-la. Não estranhou o fato de conseguir carregá-lo?

— Num primeiro momento fiquei surpresa, mas imaginei que estava possuída por aquela força subre-humana que dizem se apoderar das pessoas em situações de emergência. O certo mesmo é que eu estava atordoada e não me impressionei muito com aquilo.

— E a casa? Você também não achou estranho encontrar aquela casinha perdida no meio do campo, sem alma viva por perto, com a porta destrancada e suprida com o necessário para você se alimentar e cuidar de Paulo?

— Eu não estava em condições de raciocinar, Sólon. Não sei o que pensei. Acho que imaginei que, por ser assim tão isolada, o dono houvesse se ausentado por uns dias sem se preocupar em trancá-la.

— Você não desconfiou de nada mesmo?

— Não, não desconfiei. E você sabe que estou falando a verdade. Tudo o que conseguia pensar era que eu poderia ir embora, se quisesse. Paulo piorava rapidamente, e era visível que não resistiria por muito tempo. Eu tentava me convencer de que de nada adiantaria ficar com ele, e que deveria ir em busca de socorro, pois meu ferimento aparentava estar infeccionando. Era extremamente difícil para mim permanecer de livre e espontânea vontade naquele pesadelo por causa de um homem que só me fizera sofrer. Mas o fato é que jamais conseguiria abandoná-lo, pois acima de tudo, acima de ser Paulo, ele era um ser humano. Quando percebi que não respirava mais, e que seu coração havia parado de bater, então saí em busca de socorro. Foram cinco dias de inferno!

Minha voz entrecortou-se, e cerrei os olhos que, a contragosto, enchiam-se de lágrimas. Quando olhei novamente para Sólon, em seu rosto havia um misto de admiração e de incontida ternura. Um tremor intenso percorreu meu corpo. Ele sacudiu a cabeça, num gesto instintivo, como se quisesse espantar a emoção, e retomou o assunto.

— E quando você chegou ao posto de gasolina e percebeu que ninguém conseguia enxergá-la ou escutá-la, como se sentiu?

Eu sorri, relembrando aquele momento que, agora, parecia-me até engraçado.

— Primeiro fiquei furiosa, achando que todos eram mal-educados e insensíveis. Depois fui ficando desesperada, pois percebi que eles realmente não me viam e não me ouviam. E então, subitamente, compreendi tudo.

— E como reagiu?

— Não sei dizer. Depois daquele instante, só me recordo de haver acordado, aqui, fortemente amarrada à cama. Por que me amarraram, Sólon?

Ele sorriu de novo com aquele jeito matreiro.

— Porque você parecia não querer ficar conosco. Tentou fugir, gritou, esperneou, e a única solução que encontramos foi amarrá-la e dar-lhe um calmante para que dormisse um pouco. Isso é comum acontecer quando se volta através de acidente. A doença prepara melhor, e você, até agora, havia voltado sempre através de doenças. Mas fico feliz em constatar sua pronta recuperação. Você realmente se saiu muito bem, Luna! Se depender deste relatório — apontou para os papéis sobre a mesa — sua permanência aqui, desta vez, poderá ser mais prolongada. Sei que posso parecer um tanto suspeito, mas assino-o com a consciência absolutamente tranqüila.

Levantou-se e começou a arrumar as folhas, sem pressa, e eu permaneci sentada, saboreando aquela gostosa sensação de felicidade. Foi então que me lembrei de Paulo.

— E meu marido?

— Quem?

— Paulo, meu marido.

— Luna…

— Desculpe, por um momento me esqueci de que agora não temos mais nada a ver um com ou outro.

— Não se preocupe, isso é normal. Você chegou apenas ontem. Paulo não está nada bem. É provável que permaneça amarrado por um longo tempo. Mas isso não é mais problema seu, compreende?

Enquanto falava, aproximou-se de mim e estendeu-me as duas mãos, para que eu me levantasse. Aquela proximidade perturbou-me de tal forma, que não consegui encará-lo. Ele então pegou meu queixo, suavemente, e obrigou-me a levantar o rosto. O azul de seus olhos tornara-se escuro e intenso.

— Senti sua falta, Luna.

Tentei brincar, para disfarçar a emoção que me invadia:

— Já eu não posso dizer o mesmo, uma vez que vocês não me permitiam lembrar daqui.

— É verdade… — ele sorriu — …E quanto à recepção para os recém-chegados, hoje à noite, você pretende ir?

— Bem… eu…

Ele levantou meu rosto novamente, e seus olhos agora estavam ainda mais escuros. Olhou-me com uma intensidade que chegava a ser difícil de suportar.

— Quanto a mim, sou obrigado a ir até lá, para cumprimentar os que voltaram, mas não vou me demorar. Seu alojamento ainda é o número 7?

Tentei responder, mas a voz não me saiu. Apenas balancei a cabeça, num gesto afirmativo.

Ele acariciou meus cabelos e beijou-me demoradamente na testa.

— Até mais tarde, então. Feliz retorno, Luna!

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